A solidão das ruas despia o silêncio daquela madrugada da quarta-feira de cinzas. Enquanto a ressaca de carnaval dormia tranquila nas casas, Tereza amargava uma insônia angustiante. O caminhar dos ponteiros do relógio de parede na sala acelerava suas batidas.
Tic, tac, tic, tac.
Um sonoro pedido de socorro invade sua rua, seu silêncio e seu coração. Tereza não estava sozinha naquela noite. Confusa se aquele grito era real ou um pesadelo anunciado, ela se levanta. Respira fundo e ouve apenas o relógio.
Tic, tac, tic…
Socorro!
Sua confusão mental é interrompida por outro grito. Era um homem.
Ela não tinha mais dúvidas. Do outro lado do muro, alguém protagonizava uma tragédia.
Impotente, a mulher abre uma das cortinas disposta a ser mais uma na plateia. Algumas luzes se ascenderam na vizinhança, cachorros começaram a latir com compaixão, mas ninguém ameaçou a abrir a porta para abrigar aquele desesperado.
Nem o abajur do quarto, Tereza se dispôs a ligar. Queria acompanhar com a presença da escuridão o que e quem estavam por trás daquele grito. Na janela do seu apartamento, ela se depara com a figura de um homem ensanguentado que se ajoelha como quem pede clemência.
O grito de socorro deu lugar a um choro estridente de dor.
Sem reação, Tereza se sentiu cúmplice daquela violência. Antes de fechar a cortina e ligar imediatamente para polícia, ela conhece o algoz daquele pobre rapaz. Em passos largos, ele se aproximava.
Todas aquelas janelas assistiam o mesmo que Tereza, mas foi na janela dela que o criminoso se mirou. O olhar cruel daquele homem conseguiu penetrar a alma da mulher que estava ali, acuada em seu esconderijo de medo no segundo andar.
Naquele instante, Tereza nutriu uma coragem que nunca teve. Abriu a janela e retribuiu aquele olhar com a mesma intensidade.
Assassino e testemunha se encaram.
Em paralelo, a vítima, já com um choro contido e silencioso, aguardava por um milagre.
Tereza desceu as escadas do pequeno prédio em uma fração de segundos. Ela abre o portão.
Inspirados pelo altruísmo da senhora, vizinhos abrem suas janelas.
Sem tirar os olhos daquela cena de horror, Tereza caminha depressa enquanto amarra seu roupão. Dessa vez, era o olhar dela quem penetrava a alma daquele sujeito.
Eles não trocam uma só palavra.
Tereza se posiciona frente a frente, ele se rende e levanta as mãos enquanto a vítima se mantém de cabeça baixa.
O silêncio é interrompido pela sirene de uma viatura.
Tereza se mantem exatamente na mesma posição e assiste ao choro arrependido e a prisão de seu próprio filho.