Casamento

Aquele era um dia de festa.

Não tirava os olhos dela. Seus dedos percorriam pelo seu cabelo. Parecia rio em noite de lua nova, derramando breu nos seus ombros cor de terra. Ela era toda terra molhada, firme, mas macia.

Enquanto ela se arrumava, eu ficava ali no canto de olho pra não atrapalhar. Meu riso escapulia quando seus olhos brincavam com o meu silêncio. Parecia que ela desenhava meus pensamentos todos com a mesma velocidade em que se pintava. Ela era um reflexo meu de um futuro bom.

Aquele era um dia de festa. Minha irmã ia se casar.

Eu ainda era pequena pra entender que aquilo ali seria um longo até logo. Dessas despedidas traiçoeiras como um dia de sol quente. Parecem durar pra sempre. Não entendia que ela seguiria com uma família nova feito um galho de árvore bem longe da nossa raiz. Ainda bem que eu não sabia e pude ficar ali, vendo ela se colorir.

Vez ou outra, alguém interrompia aquela nossa conversa silenciosa. Eu fingia que brincava e ela fingia não se importar. Lembro que me aproximei aos pouquinhos e, quando cheguei perto, dividimos algumas cores. Não trocamos uma palavra. Ela estava diferente, mas seu sorriso era a mesma coisa. Ela me emprestou um pedaço da sua felicidade e pude ensaiar o que era ser gente grande até a hora chegar. Ouvimos a música. Seus olhos me contaram que seríamos irmãs pela última vez. Saímos dali juntas.

Aquele era um dia de festa. Todo mundo se pintou.

Segui na frente atropelando o meu frio na barriga. A música ganhou força com a minha voz. Cantei por ela.

A tribo toda fez uma roda, naquele momento, éramos todos um só. Estávamos ali, perpetuando naquela nova família mais alguns anos de sobrevivência até o meu futuro chegar, até meus seios ficarem do tamanho de um punho fechado, até eu me transformar em terra molhada para plantar novas sementes da nossa cor.


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